Nuno Miguel Proença
(CHAM – Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa)
E agora, o que fazer com isto?
Há no encontro clínico uma especificidade que resulta da aparente dissimetria existente entre os seus protagonistas. Na maior parte dos casos, o que o motiva é um pedido dirigido ao médico ou ao terapeuta, por quem está – ou pensa estar doente e se queixa. A queixa em razão de uma dor, a expressão de um sofrimento, a inquietação em razão de uma estranheza ou a formulação de uma pergunta, dirigem-se ao médico ou à equipa clínica que supostamente dispõem dos conhecimentos e dos meios suficientes para informar, esclarecer, averiguar, tratar, acompanhar ou simplesmente aliviar pacientes na impaciência dos seus pedidos, no que não está bem na relação consigo próprios ou com o seu corpo e que eles não conseguem transformar pelos seus próprios meios. Desta assimetria, que pode gerar figuras próximas às da dependência, parece resultar a necessidade de garantia de direitos e liberdades de quem está doente, mas também um tipo de interrogação ética que decorre – “antes dos princípios” – da necessidade de acolher os sinais pelos quais se exprime o inesperado de uma vida. “O que fazer com isto?” poderia então ser uma primeira formulação da questão ética, oriunda da crise ou do espanto do encontro com o fundo pulsional e impessoal do viver que há que existir, dando-lhe uma forma e um destino pessoais, segundo as possibilidades da comunidade humana e os eventos do mundo que a podem transformar. Esta pergunta exprime a crise de cada encontro (clínico) que, no limite, é capaz de subverter o conjunto do que pensávamos ser possível e transtornar a normal continuidade das nossas crenças e hábitos (profissionais) no que respeita ao sentido da saúde.
12 de Março de 2020 | 18h | Sala 2.13 | FLUL